O Dia do Porco
Há um tempo
encomendei uma banda de porco completa a uma senhora que mora em Nova Friburgo,
D. Hilda, incluindo a barrigada, cabeça, pé e tudo o mais.
Eu e meu marido,
Nelson, moramos em Niterói e temos uma casinha em Lumiar, onde nos deliciamos
com tudo de bom. E queríamos viver essa experiência da infância: fomos criados
na roça e na nossa memória essa era uma boa lembrança, o dia em que se matava
um porco que vinha sendo cevado há algum tempo.
Na segunda-feira, minha
irmã, que foi por meio de quem conheci a D. Hilda, me ligou avisando que ela
mataria o porco na sexta-feira e que estaria lá, na casa dela, me esperando
para eu pegar a minha parte. Na verdade, a intenção inicial era fazermos uma
festa do porco com nossos amigos e parentes, mas infelizmente não conseguimos, houve
um desencontro geral, e acabou que nós dois subimos sozinhos.
Chegamos à casa da
senhora e nos assustamos com o que nos cabia. Nossa Senhora!!!! Quanto porco, ele
pesava, no total, 84 kg ,
assim nos coube 42 kg
de carne, gordura, pele, miúdos, pé, sangue, cabeça...ufa, que porcalhada.
Deu o maior trabalhão
levar tudo para Lumiar, imaginem que tinha uma lata de tripas ‑ que a D. Hilda
já tinha lavado e estava de molho na água com limão ‑, uma lata de miúdos –
também já limpos ‑, uma lata de sangue, além do porco propriamente dito. Virge
Maria. Depois de muitas curvas e respingos chegamos ao destino. Isso já era
tarde da noite. Colocamos tudo no freezer (graçias, Dindinha) e fomos dormir.
No dia seguinte
levantamos cedinho e fomos ao mercadinho comprar o que faltava para nossa
empreitada. Fomos à cidade, porque nossa casinha é afastada do centro 5 km.
A proveitamos para pegar na internet algumas receitas, como fazer chouriço e lingüiça.
Eu já havia baixado um texto que ensinava (mais ou menos) como destrinchar o
porco, mas, sinceramente, eu tinha esquecido que na minha louca encomenda havia
pedido o sangue e as tripas.
Chegando de volta em
casa, colocamos um plástico sobre a mesa e o Nelson colocou sobre ela a parte dianteira
do porco. Munido de uma faca bem afiada (comprada hoje), uma machadinha e muita
disposição, ele retirou a cabeça, separando a orelha e a papada (o torresmo
feito dessa parte é muito apreciado). Embalei tudo em saco plástico, etiquetei
e congelei.
Depois foi a vez das
costelas, que na verdade estava fácil, era só seguir a linha pontilhada invisível.
O difícil foi saber que carne era aquela que estava na parte de cima, parecia o
lombo, mas estava meio fino. Lembrei-me que estávamos só com uma banda do bicho,
então o lombo também era a metade, por isso estava fininho. Ele lavou para
retirar algum vestígio de sangue que estava por lá. Na verdade, esse sangue que
fica nas partes do porco tem um cheiro muito forte.
Costela retirada, foi
a vez da pele, para fazer torresmo. O melhor torresmo é o feito da pele da barriga.
Retirada, congelei também. A pele de outras partes também foi retirada,
embalada e congelada. As gorduras internas separamos para derreter e as
carninhas e gordurinhas diversas ‑ que tem milhões ‑, separamos em outra
vasilha para a lingüiça. Enquanto o marido ia fazendo suas separações, eu ia
descascando alho, ralando cebola e amassando alfavaca para temperar o que
precisasse.
Um capítulo à parte
são as tripas. A D. Hilda fez a lavagem básica, que consiste em retirar as fezes,
virar pelo avesso (usando um pau de virar tripa) e lavar bem em água corrente,
e deixar de molho durante 6 horas, em 5 litros de água com suco de 10 limões. Ontem,
quando chegamos em casa com o porco, lavei bem e troquei a água, agora sem o
limão. Hoje lavei novamente e deixei de molho no vinagre (dois litros de água, uma
xícara de vinagre) durante uma hora.
Gente, vocês
precisavam me ver lavando as tripas, nossa mãe do céu, o cheiro é muito forte e
fica agarrado em todo lugar que respinga. Depois coloquei no varal para secar
um pouco, minha cunhada Nilma falou que não precisava, mas mesmo assim fizemos.
Antes um pouco
começou a aparecer um monte de bichinhos, mosca, abelha cachorra e outro enxame
que nunca tinha aparecido por lá. Pegamos o ventilador para espantar e fiz
aquele clássico truque de partir o limão ao meio e espetar cravos, colocar no
meio das carnes, tripas e etc. Deu certo mais ou menos, diminuiu muito, mas
desaparecer de tudo, isso não aconteceu.
Depois foi a traseira,
separamos o rabo, mais um pouco de toucinho da barriga, mais lombo e,
finalmente, o pernil: ele saiu lindinho, lindinho, não, lindão. Aqui fizemos
uma besteirinha, retiramos a pele do pernil, nos arrependemos, mas já era.
Pausa para um
almocinho porque só estávamos nos hidratando (cerveja hidrata?), sem comer
nada, mas não conseguíamos comer, que fastio!
Acho que era o cheiro da tripa. Mas o Nelson
fez questão de comer algumas tripas fritas, para lembrar mais um pouco da
infância. Para isso pedi a ajuda da Nilma: tem que aferventar (sobe um
cheiro!), depois fritar até ficar tostadinha. (Nelson diz: delícia!).
Fizemos o tempero do
chouriço, que foi para 4
litros de sangue, onde a D. Hilda já havia colocado uma
colher de sopa de sal, que era para não coalhar. A receita que pegamos na
internet consistia em três cebolas raladas (não se coloca alho), 80 gramas de sal (assumimos
como 4 colheres de sopa), 20
gramas de açúcar (uma colher de sopa) e o redanho picado.
Misturamos bem, cortamos uma garrafa Pet ao meio, a parte do bico funcionou
como funil e a outra como copo.
Peguei uma panela
grande e fui enchendo as tripas, deu super certo. Amarrava uma ponta da tripa e,
depois de cheia, amarrava a outra ponta. Caraca, parecia um filme do Hitchcock,
era sangue para tudo que é lado. Minha mão ficou lavada de sangue (do porco,
não meu).
Depois que enchi tudo, lavei. Enquanto isso,
coloquei água em uma panela e deixei ferver. Quando ferveu coloquei alguns
chouriços e logo eles foram ao fundo, não coloquei muito porque fiquei com medo
de estourar, a panela não era grande. Tínhamos algumas consultoras (mamãe e
Nilma), e já que não sabia o ponto ideal para tirar os chouriços, liguei para a
mamãe para saber. Ela me disse que tinha que espetar um palito, se não saísse mais
sangue estava bom. Foi o que fiz, demorou um bocado para chegar ao ponto. Para
acelerar, tampei a panela, grande erro. Estourou uns dois; a sorte é que já
estava bom para tirar.
Cozinhei de duas
vezes os danadinhos e deu super certo. Ufa!!! Alguma coisa foi legal.
Resolvemos partir um para ver, ficou meio sem sal, mas muito gostoso.
Derreti, ainda, a banha
sem pele para extrair a gordura, onde pretendemos mergulhar a carne depois de
cozida.
Comecei a partir a
carne para a linguiça e Nelson pegou a máquina de moer, o que não deu muito
certo, porque a gordura fazia a lâmina deslizar e não moía, esmagava a carne e
a gordura, e retornava para a boca da máquina, não saía pelos furos. Nessa altura,
já era bem de tardezinha e, confesso, estava morta de cansada (Nelson diz: eu também!), já não queria mais
brincar daquilo. Juntei minhas últimas forças para ajudar o marido, porque ele
também estava muito cansado.
Eu ia lavando toda
aquela sujeira, panela, pratos, vasilhas de plástico e embalando e guardando
tudo, e ele picando, temperando e enchendo a linguiça.
A linguiça é outro capítulo.
Que trabalheira!!!!
Picar tudo na ponta
da faca e bem pequenininho. Depois o tempero: 10 alhos socados, 1 colher de
sopa de pimenta do reino branca misturada a preta, moídas, 2 molhos de cheiro verde, 1 colher de
café de pimenta calabresa desidratada, 1 colher de sopa de sal e 1 litro de água,
isso para 3,5kg de carne e toucinho picados. Colocamos ½ kg de toucinho para 3
kg de carne. Não se preocupe com a água, é mesmo para colocar para fazer uma
salmoura, e acaba se incorporando a mistura. Lemos em uma das receitas da net
que é melhor colocar o sal de cura, mas não tínhamos. Na próxima ( será que
haverá?), vamos colocar.
Nelson encheu as
tripas usando a mesma ponta da pet, cortada um pouco mais. Não fechamos a tripa
antes de encher para não dar ar, só fechamos quando estava quase saindo por
baixo. Aí é furar (o ideal é com espinho de laranjeira, mas esquecemos de pegar
mais cedo, e estava de noite, aí foi com palito mesmo), acabar de encher e
amarrar em cima.Temos ainda que pesquisar como cura-la, segundo nossas
consultoras, só poderíamos comê-las 3 dias após, senão era carne picadinha e mais
nada
O dilema maior foi
onde deixá-las, já que deu uns 3,5kg para que secasse. Antigamente nossos avós
a colocavam sobre o fogão de lenha que estava sempre aceso, ela tem que
dessorar. Tínhamos o fogão, iríamos
embora. O que fazer?
Deixamos uma parte na
trempe da geladeira e esta ligada, não sei se deu certo, só vou voltarei depois
de15 dias. Que aflição!!!! A outra parte levaremos para Niterói.
Vai ficar na memória
esse dia como um dos mais legais da minha vida, da minha não, das nossas vidas.
Eu e Nelson fomos criados com essa labuta de porco na casa dos nossos avós, e isso
ficou na nossa lembrança de infância como sendo um dos dias mais felizes. Agora
conseguimos fazer o mesmo.
foi cansativo, mas foi ótimo.
ResponderExcluir"Na próxima ( será que haverá?), vamos colocar."
claro que haverá a próxima! e será próximo.
}{'s
Já conto os dias e as horas para essa nossa empreitada de novo.
ResponderExcluirTe amo meu amor